terça-feira, 24 de setembro de 2013

TOURO E FINAIS BURGUESES, pelo Doutor Francisco Teixeira

O Minotauro, como em muitos dos mitos gregos, surge como castigo de uma desobediência dos humanos relativamente às ordens dos deuses. Posídon ofereceu a Minos, rei de Creta, um esplendoroso touro branco, instando o rei minóico a sacrificá-lo em sua honra. Mas Minos, inebriado pela beleza do animal, recusou a sua morte.
O castigo de Posídon não se fez esperar e foi terrível. Por meio dos seus poderes e aliança com Afrodite, Posídon fez com que Pasífae, esposa do rei, se apaixonasse pelo touro e cedesse à sua energia sexual. Desta relação monstruosa nasceu o Minotauro, corpo de homem e cabeça de touro, desde então sinal de potência sexual indomável, beleza e morte.
Minos, ainda assim, não cedeu à vingança cega e pediu a Dédalo para construir um labirinto de onde o Minotauro jamais pudesse sair e se consumisse em desejo e fome.
A conclusão do mito também é conhecida. Teseu mata o Minotauro com a ajuda de Ariadne, filha de Minos e Pasífae (que se apaixonou, à primeira vista, pelo ateniense), que lhe forneceu um método de navegação labiríntica que é, até hoje, um ícone de orientação e sentido. Um fio, um simples fio, sinal de continuidade e confiança.
O que aqui me interessa é que o Minotauro surge como castigo de um desafio, que exige um esforço suplementar de sentido, um labirinto, e manutenção, um tributo de morte e desejo, através de corpos jovens e inocentes anualmente tributados por Atenas a Creta.
O itinerário é o seguinte: dádiva – promessa - desafio/mentira – castigo – reincidência – tributo contínuo – salvação.
Os gregos são dados aos desafios e à mentira. E sofrem castigos monstruosos e desproporcionados com coragem e orgulho arrogantes, ante a confusão divina, frequentemente desarmados pela inventividade e coração humanos.
O facto de Minos não ter morto o Minotauro mesmo depois do castigo de Posídon e antes o ter encerrado num labirinto de sentido a que só o desejo e o sangue podiam manter, é sinal deste estranho poder do homem grego de se rebelar contra o divino e o poder, mesmo que à custa da exacerbação do mais potencialmente explosivo que existe em si mesmo: eros e thanatos, desejos de vida e de morte, numa luta continuamente dolorosa e agoniante.
Deste ponto de vista, Teseu e Ariadne representam o rompimento com esta tensão e vitalidade dionisíacas, a passagem de um mundo trágico a um mundo burguês de equilíbrio e paz, em que as forças vitais se desligam do humano e se domesticam nas belas e pias intenções de uma mulher apaixonada à primeira vista. Mitologia pimba, portanto.
Entretanto, o pai de Teseu, Egeu, vendo a vela negra do barco de seu filho no horizonte, erguida por esquecimento nos mastros, julga que Teseu falhou e que este terá morrido nos chifres do Minotauro, lançando-se no mar revolto, morrendo à vista do próprio filho. A natureza nunca se vence com facilidade ou sem dor.
Francisco Teixeira

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