O Minotauro, como em muitos dos mitos gregos, surge
como castigo de uma desobediência dos humanos relativamente às ordens dos
deuses. Posídon ofereceu a Minos, rei de Creta, um esplendoroso touro branco,
instando o rei minóico a sacrificá-lo em sua honra. Mas Minos, inebriado pela
beleza do animal, recusou a sua morte.
O castigo de Posídon não se fez esperar e foi
terrível. Por meio dos seus poderes e aliança com Afrodite, Posídon fez com que
Pasífae, esposa do rei, se apaixonasse pelo touro e cedesse à sua energia
sexual. Desta relação monstruosa nasceu o Minotauro, corpo de homem e cabeça de
touro, desde então sinal de potência sexual indomável, beleza e morte.
Minos, ainda assim, não cedeu à vingança cega e
pediu a Dédalo para construir um labirinto de onde o Minotauro jamais pudesse
sair e se consumisse em desejo e fome.
A conclusão do mito também é conhecida. Teseu mata
o Minotauro com a ajuda de Ariadne, filha de Minos e Pasífae (que se apaixonou,
à primeira vista, pelo ateniense), que lhe forneceu um método de navegação
labiríntica que é, até hoje, um ícone de orientação e sentido. Um fio, um
simples fio, sinal de continuidade e confiança.
O que aqui me interessa é que o Minotauro surge
como castigo de um desafio, que exige um esforço suplementar de sentido, um
labirinto, e manutenção, um tributo de morte e desejo, através de corpos jovens
e inocentes anualmente tributados por Atenas a Creta.
O itinerário é o seguinte: dádiva – promessa -
desafio/mentira – castigo – reincidência – tributo contínuo – salvação.
Os gregos são dados aos desafios e à mentira. E
sofrem castigos monstruosos e desproporcionados com coragem e orgulho
arrogantes, ante a confusão divina, frequentemente desarmados pela
inventividade e coração humanos.
O facto de Minos não ter morto o Minotauro mesmo
depois do castigo de Posídon e antes o ter encerrado num labirinto de sentido a
que só o desejo e o sangue podiam manter, é sinal deste estranho poder do homem
grego de se rebelar contra o divino e o poder, mesmo que à custa da exacerbação
do mais potencialmente explosivo que existe em si mesmo: eros e thanatos,
desejos de vida e de morte, numa luta continuamente dolorosa e agoniante.
Deste ponto de vista, Teseu e Ariadne representam
o rompimento com esta tensão e vitalidade dionisíacas, a passagem de um mundo
trágico a um mundo burguês de equilíbrio e paz, em que as forças vitais se
desligam do humano e se domesticam nas belas e pias intenções de uma mulher
apaixonada à primeira vista. Mitologia pimba, portanto.
Entretanto, o pai de Teseu, Egeu, vendo a vela
negra do barco de seu filho no horizonte, erguida por esquecimento nos mastros,
julga que Teseu falhou e que este terá morrido nos chifres do Minotauro,
lançando-se no mar revolto, morrendo à vista do próprio filho. A natureza nunca
se vence com facilidade ou sem dor.
Francisco
Teixeira
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